domingo, 20 de junho de 2010

FAMILIA, FONTE DE VIDA DOS VALORES




• Família, fonte de vida e dos valores da humanidade


Todo dom implica dever, e responsabilidade: “Vós recebestes gratuitamente, daí também gratuitamente” ( Mt 10, 8.) Todo valor, toda a riqueza de um dom provém do facto que é dado. Um dom é cara justamente porque não tem preço, ele foi dado gratuitamente, graciosamente... É neste sentido que no mundo, vive-se a experiência da família como dom do amor e dom da vida de Deus à humanidade. Dons gratuitos que nos lembram os nossos deveres, as nossas responsabilidades face á vida, ao homem, à humanidade. A família permanece deste modo, a primeira fonte da vida e dos valores da humanidade, pois é na família que se recebe a vida e é ali que se adquire os primeiros reflexos da vida salutar com o outro (Cf. Paul Ricoeur, Soi-moi comme autre, Ed. Du Sevil, Paria, 1990, p. 202), na sociedade. É na família que se aprende o respeito á vida, o acolhimento ao outro e a aceitação mutua, o dialogo, a partilha, etc. antes de viver tudo isto com o mundo exterior. A criança que não viveu a boa experiência do calor familiar animada pelo amor dos pais, a vida salutar junto aos seus irmãos e irmãs terá dificuldade, de se estruturar na vida para levar uma coexistência pacifica com os outros.

Ainda hoje, quando a criança vem ao mundo, a comunidade dos adultos esforça-se em integrá-la na sociedade através de um certo número de ritos de passagem que iniciam à vida e aos valores nobres da humanidade: o respeito á vida, a toda a vida, mesmo àquela dos seres inferiores como os animais, as plantas, os pássaros que constituem o nosso meio ambiente vital, o respeito ao outro, mesmo aos mais fracos, como os deficientes, os doentes, os pobres, as pessoas idosas, o respeito para com o uso e costumes, como por exemplo as exigências concernentes ao regime matrimonial, à veneração aos defuntos, às exigências da paz e da convivência fraternal na comunidade etc. Todo o sistema de educação tem por finalidade ligar o homem ao homem pelas múltiplas relações de solidariedade em vista das exigências sociais vistas. Toda a atitude egocêntrica, todo o desejo de êxito pessoal é contado entre os pecados sociais mais graves.

Do mesmo modo, além da morte que é golpe objectivo de direito á vida, considera-se como faltas morais: a falha no acolhimento, a incitação á discórdia, a inveja, a mentira, o roubo, o rancor, a cólera, a injuria, o mau uso dos bens da natureza, em resumo, tudo o que prejudica a vida, isto é, à pessoa e aos bens, aos meios vitais dos homens tomados individualmente e colectivamente. Todo o mundo é chamado a agir em favor da felicidade, da vida e da sobrevivência de todos.

Devemos tudo isso à nossa concepção unitária da vida. Com efeito, entre os valores nobres da humanidade há esta consideração da união vital ou da unidade de vida existente entre os seres de uma mesma família e para além das famílias, daqueles de um mesmo clã, de uma mesma sociedade. Trata-se do principio da união vital e da participação que se quer “uma relação de ser e de vida de cada um com os seus descendentes, a sua família, os seus irmãos e irmãs do clã, seu ascendente e com Deus, fonte ultima de toda a vida... , uma relação análoga de cada um com o seu património, a sua terra, com tudo o que ela contem e produz, com tudo o que nela cresce e vive” (Cf. Paul Ricoeur, Soi-moi comme autre, Ed. Du Sevil, Paria, 1990, p. 202),

O principio da união vital e da participação supõe a comunhão entre todos os seres, ao centro dos quais está o homem. Donde o sentido mesmo da vida humana que é preciso captar no seu sentido pleno enquanto “vida integral”, “vida totalmente humana” na sua dupla dimensão individual e comunitária, espiritual e física. Uma vida integral, individual e física enquanto recebida em cada existente, e comunitária e espiritual enquanto participada de uma mesma e única fonte, Deus. Isto é uma vida participada, o que significa dizer que o indivíduo não vive a sua própria vida, mas a da família, da comunidade, o ser humano é essencialmente membro e não “porção”. Ele é certamente um ser autónomo, mas sempre um ser como outrem.

É nesse “antropocentrismo comunitário” que convém também compreender a noção de pessoa humana que não está confinada naquela da “liberdade pessoal”, não que esta ultima seja inexistente ou desconhecida, mas aqui a liberdade pessoal não é senão uma realidade numa vasta rede de relações familiares nas quais o indivíduo não cessa de levar uma existência independente e autónoma. Portanto, é numa perspectiva personalista que se compreende a nossa concepção do homem.

Deduz-se desta reflexão que a moral é essencialmente antropocêntrica e vital: isto significa que o homem e a vida humana são o critério de todo o julgamento moral sendo bom o que contribui para a vida, para a sua promoção, a sua conservação ou protecção; aquilo que faz desabrochar ou aumentar o potencial vital do indivíduo ou da comunidade. Em compensação todo o acto presumido prejudicial à vida dos indivíduos ou da comunidade passa por mau. A moral, como religião coloca o homem no centro de tudo. O respeito à vida é por consequente a primeira norma que orienta os actos humanos. A vida humana deve ser protegida desde que venha a dar “sinal de vida”. Mesmo nos casos de concepção extra- matrimonial, o recurso ao aborto é proibido. E quando esta vida vem ao mundo, o primeiro dever é de promovê-la. O cuidado em proteger a vida, isto é, a luta contra o mau habitat, as doenças, a ignorância e a irresponsabilidade é, uma existência do direito natural.

Antropocêntrica e vital, ter-se-á observado, a nossa concepção não malogra em um horizontalismo estreito, trata-se de uma concepção inteiramente religiosa cujo centro é o homem, mas sempre em referencia ao Criados e aos ancestrais. Esta é uma concepção concreta, vivida, uma moral religiosa na qual Deus se revela como soberano bem para o qual é preciso elevar-se, realizando o que é bom, elevar-se para Deus, para o bem, é combater tudo o que tende a rebaixar e a desonrar o homem, é lutar contra o mal que atenta á vida, ao homem. Assim todo atentado à vida como ao homem é uma desonra à própria fonte da vida que é Deus, e aos ancestrais por quem nós recebemos este dom.

Hélder M. Gonçalves

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