sábado, 12 de novembro de 2011

PECADO



Fracasso  na  vida  moral  cristã


* A dupla dimensão do pecado para o crente.

Para se fazer a conceptualização teológica do pecado, é necessário partir da distinção de que no pecado há duas dimensões: a ética e a religiosa.


A A dimensão ética


- É preciso incorporar na teologia do pecado os actuais pontos de vista sobre a autonomia do humano, sobre a coerência de um humanismo ético não cristão, sobre a possibilidade de uma ética laica e sobre o especifico da ética cristã.

Partindo destas perspectivas, julgamos que o pecado se pode entender na dimensão ética, sem que haja abertura á dimensão religiosa.

Teremos então uma desordem ética.

Um não crente, desde que aceite os valores morais, só descobre a dimensão ética da culpabilidade como forma de desintegração das realidades humanas e do mundo humano.

A estrutura da culpabilidade ética verifica-se na responsabilização de uma acção própria desintegradora do humano.

Os dois elementos, a desintegração práxica e a responsabilização, dão a medida da coerência na culpabilidade ética.

• Considerada ao nível da responsabilização, a culpabilidade, para que seja ética, tem de relacionar-se com duas instancias humanas: a da liberdade e a da obrigação.

- Liberdade e culpabilidade. O mal não existe como «realidade subsistente» (fuga a toda a maneira maniqueia de entender o mal e a toda a metafísica que concebe o mal como uma entidade). Afirmar a liberdade humana é assumir para o homem (para mim) a origem do mal.

- o Pecado põe em evidencia a liberdade do sujeito, pois este, tendo que assumir as consequências do acto, declara-se responsável (declara-se como alguém que poderia agir de maneira diferente) : há portanto, uma identidade moral através do passado, presente e futuro.

- Obrigação e culpabilidade. A partir da consciência de que se poderia ter agido de outra forma, chega-se á consciência de que se poderia ter agido de outra forma, chega-se á consciência de que se deveria ter agido de maneira diferente. «reconheço o meu “poderia” porque admito também o meu “deveria”. Um ser que se sente obrigado, admite também que pode fazer o que deveria fazer» (P. Ricoeur, Concilium n.º 56 (1970) 337). Deste modo, o mal moral tem de entender-se a partir de uma obrigação existente, a partir de uma possibilidade de preferência (liberdade) que é condicionada por uma obrigação.

• A responsabilização inerente à culpabilidade ética, recai sobre alguma coisa, a saber, sobre a acção humana enquanto desintegração práxica. O conteúdo da desordem ética pode ser concretizado nas afirmações seguintes :

- O pecado ético diz respeito ao mundo humano; o seu raio de acção circunscreve-se à realidade dos homens. Não se pode pensar numa culpabilidade ética que tenha como ponte de referência o mundo infra-humano ou realidades extra-humanas. Pela sua própria definição, o pecado ético define-se pela sua referência ao homem.

- essa referência ao mundo humano tem a característica especifica da negatividade. O pecado ético é uma negação inserida na realidade dos homens como realidade especificamente humana.

- A negatividade que introduz o pecado ético no mundo humano, tem de interpretar-se dentro dos parâmetros da historicidade humana. O pecado não é algo de abstracto, mas concreto; é uma negatividade introduzida na história dos homens. Esta história é «negada» na medida do maior ou menor raio de acção do acto pecaminoso. A negatividade histórica do pecado chega até onde se estender a força expansiva da acção pecaminosa.

- esta negação histórica inserida pelo pecado ético no mundo humano pode ser simbolizada de muitas maneiras (= na linha da «expressão» e na linha da «conceptualização»):

• Pelo simbolismo da «ofensa» ao homem, realçando os aspectos interpessoais em termos jurídicos.

• Pelo simbolismo da «não - realização», sublinhando o imperativo fundamental da edificação individual e comunitária.

• Pelo simbolismo da «desintegração», avaliando o mundo como uma ordem que tem de ser mantida como algo de positivo.

• Pelo simbolismo da «frustração», realçando os efeitos do pecado em termos psicológicos.

• Pelo simbolismo da «alienação», aludindo ao grande medo que o homem actual sente de não ser ele próprio, e de não deixar que os outros o sejam.


• Os traços apontados descrevem o pecado ético como negatividade da praxe humana.

• Na acção pecaminosa verifica-se - como negação - a dialecticidade da acção humana.

• Não se poderá entender o pecado, se não se aceitar o sentido do homem como ser comprometido na construção da realidade (dimensão cósmica do pecado), como ser que actua e interactua na construção da história (dimensão histórica do pecado.

• Sendo o homem um ser capaz de alienar / alienar-se e capaz de edificar /edificar-se, o pecado é a verificação prática desta possibilidade negativa.


BA dimensão religiosa


- Além da dimensão ética, o cristão descobre e experimenta, no pecado, a dimensão religiosa. Esta dupla dimensão deve ser entendida através da realidade unitária da caridade cristã.

- «Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento.

- O segundo é-lhe semelhante; «amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas» (Mt 22, 37–40)


• Ao dizermos que o cristão acrescenta a dimensão religiosa à dimensão ética, na compreensão e vivência do pecado, não afirmamos uma simples justa posição entre dois planos, nem uma absorção do plano ético pelo plano religioso.

• O que pretendemos realçar é a originalidade que brota da síntese dessas duas polaridades.

• O que, precisamente, constitui a originalidade do pecado, visto e vivido na perspectiva da fé, é a síntese proveniente da afirmação do conteúdo moral e do horizonte transcendente do religioso, enquanto dois mundos que se relativizam e se complementam.



- Mesmo reconhecendo, como temos feito, a possibilidade de uma compreensão correcta da dimensão ética sem referência ao religioso, temos de confessar também que é na abertura à transparência religiosa que a culpabilidade ética se descobre e se encontra a si mesma com todo o seu sentido trágico e carga de mal.

- A fé faz com que a consciência moral descubra esse carácter trágico e «incompreensível» que o mal comporta. No momento da subjectivização ou responsabilização, a vontade pecadora não é apenas uma decisão livre para o mal, mas também o mistério de um homem que se enfrenta com Deus; «contra Vós, contra Vós apenas é que eu pequei». Entretanto, esta confissão não é só um juízo condenatório, é, ao mesmo tempo, uma «invocação».

- A vontade não fica cercada por um circulo de condenação. A confissão religiosa do pecado é o começo da restauração, é a ruptura com o remorso infrutífero fixo melancolicamente no passado, é a antecipação da alegria da reconciliação pela força de Cristo presente na Igreja.


A–2. Síntese da dupla dimensão


- A definição teológica do pecado encontra na síntese das vertentes ética e religiosa da culpabilidade não só um ponto de partida, mas também o seu ponto de chegada.

A teologia desvenda, na realidade do pecado do crente, a necessária integração da ética e da religião.

É tarefa da teologia libertar a noção e a vivência do pecado das garras unilaterais quer do moralismo quer da religião; outros chamarão a estes dois extremos de «horizontalismo» e «verticalismo», ou de «imanência vazia» e «transcendência alienada».

- O cristão nunca deveria perder a força desta síntese original. Aqui se baseia o núcleo fundamental da compreensão cristã do pecado. O «Evangelho» cristão sobre a culpabilidade humana nasce desta tensão dialéctica: por um lado, é a condenação mais forte que se pode fazer do mal moral, que encontra a sua raiz na totalidade da pessoa que se enfrenta com quem é tudo para todos; por outro, é a salvação do mal, assumindo-o até na «superabundância» da redenção.

- São a compreensão e a vivência cristãs que, com maior capacidade e segurança, podem fazer a síntese da culpabilidade humana.
Para o cristão, a história humana tem o seu mais pleno sentido enquanto que é transcendida pela história da salvação; para o cristão, o mundo humano atinge toda a sua seriedade porque sabe que este mundo é transcendido pela presença de Deus que Se revelou em Cristo.

O cristão não tem duas histórias e dois mundos: a sua história e o seu mundo são a história e o mundo dos outros homens, mas uma história e um mundo mais radicalizados em seriedade e em compromisso, ao descobrir e ao viver neles a presença de Deus revelado em Cristo.

- O pecado é a negação da esperança escatológica operante no interior da história humana.

A negação da esperança traduz-se na «individualização» das pessoas e dos grupos; fechar-se em si mesmos gera o egoísmo e, por sua vez, o egoísmo gera a desintegração.

O pecado não une, antes dispersa. Dispersão que é a alienação do homem pelo homem.

De maneira fáctica, a negação da esperança escatológica traduz-se pela criação de «ídolos» ou simulacros de Deus.


• Este horizonte abre perspectivas escatológicas, eclesiais, cristológicas, etc.

• O pecado é avaliado na sua dimensão mais profunda.

• Mas, ao mesmo tempo, o pecado recebe a superação da salvação.

• A confissão do pecado diante de Deus, que Se revela em Cristo, contém um apelo á salvação que se realizará na reconciliação que Deus Pai nos outorga em Cristo, mediante a celebração eclesial.

• Deste modo, a teologia do pecado culmina numa teologia da conversão e numa teologia da reconciliação.


• Na teologia do pecado, o especifico cristão é o horizonte de compreensão em que é inserida a culpabilidade humana.


Hélder Gonçalves

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