domingo, 8 de agosto de 2010

LIBERDADE E VERDADE



A pergunta moral, à qual Cristo responde, não pode prescindir da questão da liberdade, pelo contrário, coloca-a no centro dela, porque não há moral sem liberdade: “Só na liberdade é que o homem se pode converter ao bem”(GS, n. 17). Mas qual liberdade? Perante os nossos contemporâneos que “apreciam grandemente” liberdade e que a “procuram com ardor”, mas que “muitas vezes a fomentam de um modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade”, o Concílio apresenta a “verdadeira” liberdade: “A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis deixar o homem entregue à sua própria decisão (cf. Sr 15, 14), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à perfeição total e beatífica, aderindo a Ele”(GS, n. 17). Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral, grave para cada um, de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida (cf. Dignitatis Humanae, n. 2). (Veritatis Splendor, n. 34)

A liberdade, na sua essência, é algo intrínseco ao homem, conatural à pessoa humana, sinal distintivo da sua natureza. A liberdade da pessoa, de fato, tem o seu fundamento na sua dignidade transcendente: uma dignidade que lhe foi doada por Deus, seu Criador, e que a orienta para o mesmo Deus. O homem, porque foi criado à imagem de Deus (cf. Gn 1, 27), é inseparável da liberdade, daquela liberdade que nenhuma força ou constrangimento exterior jamais poderá tirar-lhe e que constitui seu direito fundamental, quer como indivíduo quer como membro da sociedade. O homem é livre porque possui a faculdade de se determinar em função da verdade e do bem. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1981, n. 5)

Jesus Cristo vai ao encontro do homem de todas as épocas, também do da nossa época, com as mesmas palavras que disse alguma vez: “Conhecereis a verdade, e a verdade tornar-vos-á livres”(Jo 8, 32). Estas palavras encerram em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo, uma advertência: a exigência de uma relação honesta para com a verdade, como condição de uma autêntica liberdade; e a advertência, ademais, para que seja evitada qualquer verdade aparente, toda a liberdade superficial e unilateral, toda a liberdade que não compreenda cabalmente a verdade sobre o homem e sobre o mundo. (Redemptor Hominis, n. 12)

A liberdade, no entanto, não é somente um direito que se reclama para si próprio: ela é também um dever que se assume em relação aos outros. Para servir verdadeiramente a paz, a liberdade de cada um dos seres humanos e de cada uma das comunidades humanas, deve respeitar as liberdades e os direitos dos demais no plano individual e no plano colectivo. A liberdade encontra nesse respeito a sua limitação, mas simultaneamente também a sua lógica e a sua dignidade, porque o homem é por sua natureza social. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1981, n. 7)

O exercício da liberdade não implica o direito de dizer e fazer tudo. É falso pretender que “o homem sujeito da liberdade, baste a si mesmo, tendo por fim a satisfação do seu próprio interesse no gozo dos bens terrenos”(Libertatis Conscientia, n. 13). Por sua vez, as condições de ordem económica e social, política e cultural requeridas para um justo exercício da liberdade são muitas vezes desprezadas e violadas. Estas situações de cegueira e de injustiça agravam a vida moral e levam tanto aos fortes como os fracos à tentação de pecar contra a caridade. Fugindo da lei moral, o homem prejudica a sua própria liberdade, acorrenta-se a si mesmo, rompe a fraternidade com os semelhantes e se revela contra a verdade divina. (Catecismo da Igreja Católica, n. 1740)

Imprimiu o Criador do universo no íntimo do ser humano uma ordem, que a consciência deste manifesta e obriga peremptoriamente a observar: “mostram a obra da lei gravada nos seus corações, dando disto testemunho a sua consciência e os seus ensinamentos”(Rm 2, 15). E como poderia ser de outro modo? Pois toda a obra de Deus é um reflexo da sua infinita sabedoria, reflexo tanto mais luminoso, quanto mais esta obra participa da perfeição (cf. Sal 18, 8-11). (Pacem in Terris, n. 5)

Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é uma vocação. É dado a todos, em germe, desde o seu nascimento, um conjunto de aptidões e qualidades para as fazer render: desenvolvê-las será fruto da educação recebida do meio ambiente e do esforço pessoal, e permitirá a cada um orientar- se para o destino que lhe propõe o Criador. Dotado de inteligência e de liberdade, é cada um responsável tanto pelo seu crescimento como pela sua salvação. Ajudado, por vezes constrangido, por aqueles que o educam rodeiam, cada um, sejam quais forem as influências que sobre ele se exerçam, permanece o artífice principal do seu êxito ou do seu fracasso: apenas com esforço da inteligência e da vontade o homem, pode cada homem crescer em humanidade, valer mais, ser mais. (Populorum Progressio, n. 15)

Afinal, ao levar a termo a obra da redenção na Cruz, pela qual iria conquistar a salvação e a verdadeira liberdade aos homens, consumou a Sua revelação. Pois deu testemunho à verdade, sem por isso querer impô-la pela força aos que a ela resistiam. Eu reino não se defende pelas armas, mas afirma-se pelo testemunho e pela audição da verdade, cresce pelo amor com que Cristo exaltado na cruz atrai a Si os homens (cf. Jo 12, 32). (Dignitatis Humanae, n. 11)

A verdadeira liberdade, enfim, não é promovida também na sociedade permissiva, que confunde a liberdade com a licenciosidade de fazer escolhas não importa de que espécie sejam, e que proclama em nome da liberdade uma forma de amoralismo geral. É ainda propor uma caricatura de liberdade a pretensão de que o homem é livre para organizar a própria vida sem referência alguma aos valores morais e que a sociedade não tem que estar a garantir a protecção e a promoção dos valores éticos. Uma semelhante atitude é destruidora da liberdade e da paz. (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1981, n. 7)

A Igreja também não fecha os olhos diante do perigo do fanatismo, ou fundamentalismo, daqueles que, em nome de uma ideologia que se pretende científica ou religiosa, defendem poder impor aos outros homens a sua concepção da verdade e do bem. Não é deste tipo a verdade cristã. Não sendo ideológica, a fé cristã não presume encarcerar num esquema rígido a variável realidade sócio- política e reconhece que a vida do homem se realiza na história, em condições diversas e não perfeitas. A Igreja, portanto, reafirmando constantemente a dignidade transcendente da pessoa, tem, por método, o respeito da liberdade. (Centesimus Annus, n. 46)

A democracia não pode existir sem um partilhado empenho por certas verdades morais sobre a pessoa e a comunidade humana. A questão fundamental para uma sociedade democrática é: “Como deveríamos viver juntos?”. Ao procurar uma resposta para esta pergunta, a sociedade pode excluir a verdade e o raciocínio morais? Certamente é importante para ... as verdades morais que consentem a liberdade, sejam transmitidas a cada nova geração. E preciso que cada geração ... saiba que a liberdade não consiste em fazer o que apraz, mas em ter o direito de fazer o que se deve. Cristo pede-nos que guardemos a verdade porque, como nos prometeu: “conhecereis a verdade e a verdade libertar-vos-á”(Jo 8, 32). Devemos guardar a verdade, que é a condição para a liberdade autêntica, a verdade que consente à liberdade realizar- se na bondade. Devemos guardar o depósito da verdade divina que nos foi transmitido na Igreja, sobretudo à luz dos desafios apresentados por uma cultura materialista e por uma mentalidade permissiva, que reduz a liberdade à licenciosidade. (João Paulo II, Homilia em Baltimor, n. 7-8)

Não é lícito do ponto de vista ético nem praticável menosprezar a natureza do homem que é feito para a liberdade. Na sociedade onde a sua organização reduz arbitrariamente ou até suprime a esfera em que a liberdade legitimamente se exerce, o resultado é que a vida social progressivamente se desorganiza e defina. (Centesimus Annus, n. 25)

Hélder M. Gonçalves

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